quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A língua Hebraica

Sempre que se pretende fazer uma mudança de país, o idioma pode ser ao mesmo tempo encantador como um entrave.
Logo de cara, parto do princípio que se você for sem conhecimento algum, será um entrave de proporção inimaginável por um tempo incalculável, não importa a língua, mesmo que seja um intercâmbio, onde o objetivo é aprender a língua daquele país. Ter uma base é sempre necessário para facilitar sua evolução.
Aqui em Israel a língua é o hebraico, e tem o "complicante" do alfabeto ser diferente também, e lido da direita para a esquerda. Os judeus que já  viviam aqui usavam o árabe, e aqueles que vieram fugindo das perseguições na Rússia e leste Europeu no final do século XIX (antes de surgir o Sionismo) falavam a língua de seus países ou Yiddish, que se assemelha em muito ao alemão, porém escrito em alfabeto hebraico. O que ambos tinham em comum era o alto conhecimento em hebraico, embora limitado as rezas. Eliezer Ben Yehuda, linguista de origem bielorussa, foi o grande patrocinador do hebraico como língua corrente, o que não era fato há mais de 2 mil anos, pois a lingua corrente na antiga Israel da época da destruição do 2º Templo Sagrado de Jerusalém (do qual só restou o muro de Herodes, vulgo Muro das Lamentações) era o aramaico, também escrito no alfabeto hebraico.
Letra Alef, a 1ª do alfabeto, com texto da Torá, no Museu dos Judeus, em Tel Aviv
No caso da língua hebraica, para judeus que frequentaram escola judaica e se dedicaram aos estudos que lhe foram passados, terão uma adaptação mais tranquila, pois precisarão se acostumar ao sotaque, gírias e linguajar cotidiano. Aos que não se dedicaram, ou como eu, que não frequentaram escola judaica, se alfabetizar já é de grande ajuda, embora só isso seja insuficiente. Relato aqui que estudei não apenas na minha sinagoga, como também no antigo Centro da Cultura Judaica (hoje Unibes Cultural), porém era um curso com aula 1x por semana apenas, o que era decepcionante, mas após um ano e meio de curso, formou uma base e consegui tranquilamente me virar bem no início de jornada. Aliás, muito obrigado Morá (profª) Sonia Bachar.
Especialmente o brasileiro tem muito o espírito do "se virar"; provavelmente tem a mesma origem do "jeitinho". Mas Israel não é o Brasil! Por sorte o israeli, em geral, é um pouco paciente com relação a isso, pois a maioria dos cidadãos são imigrantes ou descentendes diretos deles, mas se a pessoa nem ao menos tenta, ele também não tem porque se esforçar por você. E nem pensem que com um bom inglês você terá sucesso. Para turismo, tudo bem, mas para viver, praticamente não adianta. Poucas são as vezes que eu consigo de fato falar inglês que não seja com minha amiga americana, que provavelmente está lendo este blog (hi dear!) :).
Isto me lembra de uma colega que além de não saber nada de hebraico, embora tenha trabalhado numa escola judaica ortodoxa, no máximo possui um inglês minímo e espanhol sofrível. Ela é fumante e como fez para pedir um cigarro? Isqueiro? Comida? Passou a 1ª semana se alimentando a base do que os outros faziam, incluindo meu arroz com brócolis e frango (ela é vegetariana), ou muito falafel na rua.
Ou com outro imigrante brasileiro, que quer contratar  um professor para "reforçar" o hebraico que ele não possui. No caso dele, é tanta dificuldade que ele gasta mais tempo transliterando (ato de transcrever de um alfabeto para outro) o que lhe é dito do que de fato estudando.
Teatro Nacional Habimá (algo como palco ou púlpito) Em Tel Aviv
Em média, um imigrante leva de 1 ano e meio a 3 anos para aprender a língua local, mesmo quando imerso nela, e ainda assim passível de erros, por mais bobos que sejam, ou ter o linguajar carregado do sotaque do país de origem, por vezes dificultando a compreenção.
O inglês servirá muito como um diferencial para a evolução profissional, independentemente da carreira que escolher. Eu fiquei muito mal impressionado como o israelense médio fala um inglês ruim. Ao menos em Beer Sheva. 
Embora seja difícil encontrar onde estudar hebraico, possibilidade há, como o e-teacher, que conheço alguns ótimos professores que trabalham para esta plataforma e alguns amigos que estão satisfeitos. Para quem mora em São Paulo e Rio de Janeiro, não é tão difícil entrar em contato com professores particulares; aconselho a buscar contatos em mercados judaicos nos bairros de Santa Cecília e Bom Retiro em São Paulo, ou Copacabana no Rio de Janeiro.
Curiosidade da Língua Hebraica:
  • Ela é baseada em raíz. É normalmente formada por 3 letras, eventualmente 4, e dela temos variações diversas entre verbos, substântivos, adjetivos e eventualmente advérbios. Uso como exemplo a palavra Shalom (שָׁלוֹם): é uma palavra multiuso. De Olá, Tchau, ao famoso Paz. Tem origem na palavra Shalem (שלם), que significa plenitude. Há o verbo Lishlom (לשלום), arcaico e quase nunca usado, que significa superar. Veja quantas boas vibrações numa palavra.
  • Em algumas situações, é possível juntar palavras e formar uma nova - como assim? Ao invés de escrever "meu pai", Aba Sheli (אַבָּא שֶׁלִי), é possível pegar a base da palavra pai e a base da preposição e ter uma única palavra, Avi (אֲבִי), mas no caso a letra B adota o som de V;
  • O Hebraico possui apenas 3 tempos verbais: Passado, Presente e Futuro. Nada como o Português que tem 3 tipos de tempo passado, 2 do tempo futuro, fora o presente do subjuntivo, indicativo...
  • Não há conjugação do Verbo Ser ou Estar (assim como no Inglês, são iguais) no tempo presente. Pela lógica da língua, quando o futuro chega, já vira passado. Portanto é como dizer "Eu Murilo" (אֲנִי מוּרילוֹ) ou "A loja aqui" (חֲנוּת פה). Há, entretanto, a possíbilidade de usar outro verbo, Nimtsa (נִמצָא), que é Estar localizado. Este verbo possui tempos passado e futuro, mas seu uso é equivalente a chamada norma culta, sendo muito raramente usado, substituído pelo verbo Ser ou Estar, Lihiot (לִהיוֹת).
  • A língua não possoui vogais. Os pontinhos (נְקוּדּוֹת) abaixo ou no meio das letras ajudam a compreender como se forma a vocalização durante a alfabetização, e só tem essa função, pois quase nunca se usa.
Encerro com um vídeo que me foi muito inspirador, gravado há muitos anos; é de uma pequena série feita pelo rabino Dudu Levinzon, onde ele entrevista um rapaz de nome Marcos, que mora em Morro de São Paulo/BA, e que com muito esforço próprio e ajuda de muitos turistas de Israel (é muito fácil escutar hebraico por lá, por ser um ponto turístico adorado por israelenses), consegue levar uma vida muito digna com um albergue e fala um hebraico de nível intermediário. Há anos Dudu trabalha numa casa voltada pela jovens judeus, chamada Espaço K, e tem uma atuação bastante discontraída a fim de manter os jovens interessados no judaísmo através da promoção de festas e viagens guiadas, e muitas subsidiadas.


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Salário


Existe hoje em curso, em Israel, uma apreciação do salário mínimo. Um dos motivos é tentar diminuir as diferenças socioeconômicas existentes, porém também é reflexo do bom momento econômico no qual o país atravessa. No Brasil isto seria chamado de política assistencialista, visando diminuir a importância da ação, tendo em vista a forte divisão política vivida no maior país do hemisfério Sul. Como se as pessoas fossem pobres apenas por vontade própria. Enfim...
Claro que salários não são aumentados apenas com a força do pensamento. A estrutura política e governamental dos dois países é muito distinta. Talvez num futuro eu aborde com melhor propriedade a respeito.
Há, entretanto, algumas diferenças na característica do salário mínimo em Israel e no Brasil que quero chamar a atenção. A primeira é que no Brasil um trabalhador não pode receber menos que o mínimo, mesmo que não trabalhe as 44h/semana, porém em Israel sim. A diferença está que se o trabalhador israelense trabalhar em período integral e ainda assim seu salário for metade ou menos do salário mínimo, o sistema previdênciário daqui atua fornecendo um complemento para que o mínimo seja atingido.
Em muitos postos de trabalho se pode trabalhar meio período ou dias alternados, o que não é comum no Brasil, sendo portanto requisitados por quem tem uma outra ocupação pessoal ou profissional, mas nestes casos, a complementação de renda que eu citei não será fornecida.

Outro ponto interessante de notar é que nunca na história do Brasil o salário mínimo atendeu minimamente, ou próximo, as necessidades básicas da população. Aqui em Israel também não, mas está muito mais próximo.
No último dia 18 de outubro de 2017, foi anunciado o aumento do salário mínimo dos atuais ₪ 5.000 para ₪ 5.300. São 6% de aumento! Não é pouco este aumento, ainda considerando os suscessivos aumentos desde Julho de 2006, temos um incremento de 47,8% no poder de compra daqueles que vivem com esta remuneração. Este aumento será aplicado ao mínimo, as demais faixas salariais poderão ou não sofrer aumentos.

O mais impressionante deste aumento é se considerarmos que a inflação desde 2015 está negativa, ou seja, Israel sofre deflação econômica, conforme o gráfico d Banco Mundial, com a comparação da inflação no Brasil no mesmo período:

Note que o topo da taxa de inflação foi em 2008, provavelmente por influência da forte crise econômica que atingiu os EUA e posteriormente a Europa, porém vem numa tragetória de forte queda desde então. Mesmo a inflação de 2006, acima dos 2%, ocorreu provavelmente por causa da última Guerra do Líbano. Eu não encontrei o índice inflacionário deste período, porém se alguém souber como calcular juros compostos obterá o valor. Eu não sou das ciências exatas.
Para nós brasileiros, parece um sonho, especialmente se lembrarmos da inflação nos anos 80 e começo dos anos 90 que beirava os 20% ao mês, em decorrência do descontrole financeiro herdado da ditadura militar. E mesmo com o Plano Real, ainda não vivemos um período em que a inflação fosse abaixo dos 4% ao ano, e se sim, foi por pouco tempo.
Porém há consequências negativas num longo prazo taxas de inflação negativas, como apreciação da moeda local, o que acarretará em diminuição de exportações e aumento das importações, aumento da dívida externa e eventual recessão.
De qualquer modo, é sempre bom entender que números isolados podem dar uma falsa impressão. Mais do que o valor do salário mínimo, entenda que juntamente com os ganhos maiores vem também gastos maiores, como eu descrevi aqui, onde onde eu trouxe o salário médio familiar (cerca de 3 membros) no valor de ₪ 15.543, porém com gastos médios na ordem de ₪ 12.323.
Num futuro próximo abordarei a respeito do custo de vida.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Afinal Murilo, você gosta ou não de Israel?

Certa vez recebi esta pergunta após eu manifestar uma indignação, e me levou a pensar sobre meus sentimentos sobre Israel. Ao escrever o último post, a respeito de motivos que levaram outros imigrantes a voltarem aos seus países de origem e da dificuldade de adaptação, alguns me indagaram se eu gosto daqui.
Numa curta resposta: SIM!
Porém eu gosto de me aprofundar no tema, e explico melhor um pouco da minha fala/escrita ácida.
Eu sou uma pessoa muito crítica comigo mesmo. Exijo demais de mim mesmo, mas felizmente a terapia me ajudou e eu aprendi a relaxar um pouco nos últimos tempos, porém continuo exigindo bastante dos outros. Quem me conhece já me ouviu dizer, por exemplo, que sei onde tem um bolo melhor que aquele que comi, ou que sei fazer melhor, ou que sei quem faça... É que eu parto do pressuposto que se é pra fazer algo, que seja direito, que seja o melhor possível.
Antes de vir para Israel, sempre escutei maravilhas desse lugar, seja por parte de meus irmãos judeus, como por parte de evangélicos em geral. E como eu já me decepcionei muito em muitas das minhas viagens justamente por ter tido uma expectatíva alta, e ter me maravilhado quando não possuia expectativa alguma, vim com um olhar investigativo e ligeiramente desconfiado.
Em parte, o que escrevo também, é pensando nas informações que não encontrei antes de imigrar pra cá! Era mais fácil eu encontrar em inglês do que em português, e ainda assim, com um tom um pouco eufórico.
Uma das escadarias que levam ao Muro Ocidental. 
Não sei exatamente porquê a Agência Judaica, que é a entidade que representa o Estado de Israel a respeito de imigração no exterior, não prepara minimamente bem os candidatos para os desafios que encontrarão. Não quero dizer que disseram que eu não encontraria dificuldades, mas trataram de forma extremamente superficial, quase como quem diz: "No começo é dificil, mas você superará", e só. Ou seja, sem me preparar para algumas das diferenças de comportamento e de atuação aqui existentes. Sem indicar o que eu deveria fazer de antemão a minha vinda, além das obrigações legais. Talvez exista uma meta de imigrantes a alcançar e só se esteja preocupado com a quantidade, e não a qualidade.
Por exemplo, algo que ainda pouco comentei, são os problemas que muitos outros imigrantes tem enfrentado por aqui: alcoolismo, dependência química, depressão, síndrome do pânico, e noutros casos, o imigrante já vem para cá com problemas sérios de saúde, como diabetes, hipertensão, somadas a outros fatos ou aos já citados. Não são coisas que alguém me disse, eu vejo a todo instante com pessoas próximas, brasileiros ou latinos, especialmente. Enquanto eu escrevia este texto, um colega me ligou chorando de desespero, pelos problemas de saúde que enfrenta, pela solidão que sente, pela dificuldade em aprender o hebraico... Embora seja alguém que fique compartilhando vídeos do quanto a vida em Israel é boa, do quanto está gostando... Sei...
Ao chegar aqui, quase todos os meus amigos brasileiros que chegaram anos antes, me relataram suas dificuldades de adaptação, e não foram poucas ou pequenas. É quase um rito de passagem, porém é sempre uma surpresa. No meu caso, foi enfrentar sozinho a Hepatite B menos de uma semana após eu chegar.
Para aqueles que tem intenção em imigrar, seja para cá, Israel, seja para qualquer parte do mundo, minha primeira pergunta é: O quanto você conhece deste país? Coloquei alguns questionamentos aqui. O seu conhecimento é de turista ou você pôde fazer alguma viagem como num intercambio, para entender um pouco da mentalidade da população local? Preparar se para o pior, e esperar pelo melhor é uma forma muito eficiente de se obter sucesso no que fizer!
Aconselho sempre fazer um intercâmbio antes, de pelo menos uns 3 meses, para se dar a chance de ver e sentir aquilo que é pouco falado a respeito da cultura local.
Eu também não sou mais o tipo de pessoa que acredita de cara no que me dizem. Eu primeiro analiso, eventualmente debato, e daí formo minha opinião e a defendo!
Portanto, a minha visão crítica nada mais é do que buscar responder a mim mesmo (primeiramente) o quão verdadeiras são muita das maravilhas (e também das porcarias) que me foram ditas a respeito desta terra.
Quero, no fundo, mostrar que por trás dos meus sorrisos nos retratos e selfies onde apareço, diante de tamanha beleza, há muito mais choros pelo que deixei para trás e no que estou enfrentando. Que o processo de imigração não é fácil e não é para todos. O processo de imigração causa um amadurecimento a força, e exige também uma capacidade de desapegar se que por vezes não se sabe se possui.
E muito mais que isto, que há sempre um porém! E quero levar até você algo fora do "mainstream", onde ora há elogios rasgados, quase que numa crença cega, ora há críticas severas, beirando (se não fingindo não ser) antissemitismo.
Encerro aqui minha explicação com uma das músicas que mais gosto, se chama "Má ihie basufeinu" (O que será de nós ao final), da Nurit Galron.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Israel, um paraíso?


Algo que é relativamente fácil de se obter é a quantidade de imigrantes que chegam a Israel, talvez o único país no mundo que tem um Ministério de Imigração e Absorção.
Nos últimos anos, por exemplo, cresceu em muito a imigração de judeus brasileiros e franceses, enquanto a de russos e ucranianos, que nos últimos 27 anos lideram, está estável em número elevado. No caso brasileiro, entre janeiro e setembro de 2017, houveram mais imigrações (cerca de 900, da qual faço parte) do que em todo o ano de 2016 (cerca de 700), que foi cerca de 90% superior à 2015.
Mas algo que é muito difícil de medir é a quantidade de imigrantes novos que saem de Israel. Mas por que sair? Se salários são mais altos, se a segurança pública é muito boa, se há facilidade em se obter emprego, se é mais fácil seguir os preceitos religiosos judaicos, se estudar religiosidade judaica é muito mais fácil, se qualquer viagem daqui para vários locais interessantes do mundo levam no máximo 6 horas de vôo e custam menos...
Os motivos são variados e difíceis de se obter, porém, listo alguns deles que obtive com diversos amigos que voltaram, ou que conhecem quem voltou.

  • Dificuldade com a língua
O hebraico não é uma língua simples ou fácil de se aprender. Só o fato de não possuir vogais visíveis, e ter letras mudas, ter 5 letras usadas apenas como letras finais de palavras, e ter alteração da vocalização de acordo com o contexto causam certo frisson em quem teve más experiências aqui. Meus colegas sul americanos são exemplos claros, pois não conseguiam entender a língua ou mesmo pronunciar minimamente bem, e retornaram para as terras portenhas. E tenho outros exemplos de brasileiros que sentem tanta dificuldade, que não conseguem não transliterar, o que o pior dos erros para se aprender uma língua estrangeira, seja ela qual for.
  • Mercado de trabalho viciado
Segundo um amigo brasileiro que voltou há alguns anos, é dificil a adaptação pois grupos de imigrantes como russos e frances, que formam grupos grandes e unidos, e em muitos casos não fazem questão em aprender a lingua local, ou não com afinco, e causam certo vício trabalhista, pois em alguns casos, veem para cá e formam pólos de trabalhos e que fica fechado a quem não sabe a lingua deles.
  • Discriminação racial
Embora seja pequena, a discriminação existe. Quase inexistente com os negros, é mais comum com palestinos ou imigrantes ilegais sudaneses, e tem diminuído com o tempo, porém, segundo um amigo que veio para cá nos anos 80, ele não suportou ver como os palestinos eram tratados no ambiente de trabalho. Eu particulamente ainda não vi nenhum caso de racismo, mas sei que existe.
  • Saudade
Se colocamos no papel os prós e contras, com certeza ficariamos aqui, pois a economia é forte, os indices de segurança pública são fantásticos, a educação é de alto nível... Mas a vida humana não é um dado matemático onde basta se fazer contas. Quantos amigos não se deixou para trás? E familiares? E a compreenção na lingua materna? Clima...
Eu mesmo fico pesando muito no que deixei para trás. Minha família, meus amigos, meus bichos de estimação, meu namorado, todos tem um peso forte nessa sensação que eu sabia que ia vivenciar, mas não sabia como é a vivência. A experiência da solidão é algo que só sabe realmente quem vivenciou, ou como eu, vivencia.
  • Outros imigrantes
A adaptação com outros grupos de imigrantes não é fácil, pois cada um traz consigo sua bagagem cultural. Os hispânicos sempre muito passionais, os brasileiros bonzinhos até demais e nem sempre sinceros, os franceses muito reservados, os etíopes sempre gritando em qualquer horário, os russos sempre fazendo certa bagunça, especialmente nas aulas, os yemenitas são machistas e até batem em suas esposas...
  • Cultura
A cultura israelense é baseada na sinceridade, doa o que doer. Por um lado é muito bom isto, pois se alguém demonstrar interesse em tí, é sincero, e mesmo que seja com seu chefe, haverá bate boca, porém, em muitos casos é acompanhada de gritos, pois se algo sair do esperado, o israelense vai reclamar, não deixa passar barato. Também parece bom, mas pense que isto requer que fiquemos nos explicando varias vezes, sem dominar a língua.
Minha professora no Ulpan, por exemplo, avança pra cima dos alunos conforme eles não conseguem se explicar sobre algo; eu mesmo passei por isto algumas vezes, vendo ela elevar a voz comigo, no que eu rebati a altura e não deixei que ela continuasse com este comportamento, e hoje ela costuma a ser mais "mansa" comigo. Assim como quando trabalhei como garçom num hotel e meu chefe me pedia algo e logo em seguida dizia que eu não devia ter feito aquilo; sem medo, elevei a voz e falei pra ele decidir o que eu tinha que fazer. É uma linha tenue entre gritar ou falar alto, e ser mau educado. Brasileiros, em geral, consideram que falar alto e gritar é desrepeito, o israelense não.
Aqui não existe aquele jeito meigo (e por vezes irritante) do brasileiro que quer algo mas não sabe como pedir, daí chega e diz: "Sabe o que é... É o seguinte..." Ou seja, enrola tanto para dizer que quer algo simples, que em 10 segundos você teria atendido.
  • Melhores oportunidades
Muitos ucranianos utilizam o passaporte israelense para ter livre acesso a União Européia, enquanto o país não é um membro do bloco. Fazem isto por Israel tem acordo parecido com o que o Brasil tem no Mercosul, porém na América do Sul não exigem passaporte de turistas, enquanto na Europa só não exigido dos europeus. Eu, como israelense que agora sou, posso entrar na UE sem qualquer problema, basta apresentar meu passaporte. E como o Euro é uma moeda muito mais valorizada que o shekel, lá eles acabam conseguindo melhores condições de trabalho e de vida que aqui. Só para citar, a cada €1,00 temos ₪4,50.
  • Leis trabalhistas
Se tem algo que qualquer sul americano sente é o como se trabalha duro aqui. Muitos religiosos, cristãos em especial, acreditam que aqui é uma terra abençoada, cheia de milagres, terra que emana leite e mel e aquela coisa toda, mas a realidade é que é uma terra árida e foi na base de trabalho pesado que se chegou aonde chegou.
Há pontos difíceis de se adaptar, como ter apenas 30 minutos de refeição, evetuais denscansos durante o trabalho não são contabilizados como horário de trabalho, se trabalha uma média de 9 horas diárias, e as vezes até 12h. Em casos de licenças médicas, nem todos os dias afastados serão pagos, e alguns não serão pagos totalmente. O salário (normalmente) é por hora trabalhada, ou seja, se você se atrasar ou "ganhar" uma folga, não receberá por este período. São 12 dias de férias ao ano, um dia por mês trabalhado, as vezes não se tem as 10h de descanso entre um turno de trabalho e outro...

No caso específico de férias, em muitos casos, durante os feriados religiosos de Pessach e Sucot, que duram 7 dias cada, muitos israelenses aproveitam para viajar.
Eu ao meio, junto com meus colegas no Ulpan em Beer Sheva.
Eu pensei muito antes de escrever isto, pois comecei ver o quanto os meus colegas sentem dificuldade na adaptação. De todos que estão na foto, os argentinos e a russa retornaram, os belgas desistiram das aulas de hebraico, assim como o americano e o chileno, minha amiga brasileira reiniciou o curso. Portanto, de 24 alunos que começaram o curso intensivo de hebraico, apenas 11 terminarão!
Segundo uma amiga dos EUA, a estimativa de judeus americanos que retornam para os lá é de 60 a 70% dos que chegam. Isto ocorre num período de até 2 anos após sua imigração. Se bem que no caso dos americanos, há um agravante na lei daquele país, pois mesmo vivendo fora, enquanto mantiverem a cidadania americana, há impostos a serem pagos, e mesmo para uma eventual renuncia da cidadania, custa caro e demora para se obter. Ao menos no meu caso, que continuo com minha cidadania brasileira, eu não preciso pagar nada ao governo brasileiro, bastando apenas eu fazer minha declaração de saída definitiva, para evitar algum imposto sobre meus ganhos de capital fora do território brasileiro, embora eu ainda tenha minhas obrigações cívis, como votar (infelizmente ainda obrigatório no Brasil, mesmo estando no exterior).

* OBS: antes que eventualmente me perguntem... Não tenho pretensões de voltar ao Brasil tão cedo. Estou encarando as dificuldades aqui relatadas como desafios e não vim para desistir facilmente, como eu costumava a fazer.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Riqueza Judaica

A verdadeira riqueza de um povo, um grupo ou o quem quer que seja, é sua capacidade de se adaptar as condições as quais está inserida, e não propriamente a quantidade de dinheiro que possui. Afinal, o conceito de capitalismo é relativamente recente no mundo, e nunca se sabe quando e se chegará a um fim. Não há um concenso na data de origem do termo Capitalismo, mas há indícios do uso do termo no século XVII (aprox 1630), o que combina com a queda do Feudalismo na Europa (baseado em trocas de mercadorias por trabalho), quando as nações Européias estavam se desenhando, tendo na época, apenas Portugal e Espanha como nações com as fronteiras hoje conhecidas.
Digo isto pois é muito comum escutarmos e ou lermos associarem o judaismo com riqueza material, ou seja, acúmulo de capital, e daí dizerem que judeus são ricos e controlam o sistema econômico mundial. Os EUA tem exemplos de bancos ou instituições financeiras de origem judaica, como o Banco Goldman Sacks ou falido Lehman Brother's.
De fato, ao contrário do Catolicismo Romano, que enxerga no lucro um pecado, o Judaísmo enxerga como fruto de um trabalho bem feito; se trabalhei bem e solucionei um problema, mereço ser recompensado. De forma simplista, é isto!
Porém a cultura judaica também é muito preocupada com o bem estar social em sua volta. Existe um conceito chamado Tzedaká (צדקה) que é muito presente onde quer que haja uma comunidade judaica ativa, e sempre muito incentivada por todos os rabinos, independente da linha de pensamento. Foi traduzida simplesmente como caridade e os tais 10% de seus ganhos para os necessitados, porém a Tzedaká tem uma origem mais forte. O termo é uma derivação do verbo Litzdok (לצדוק) que significa acertar, ou fazer o correto. Deste verbo também derivam os termos Tzadik (um justo, pessoa de nível elevadíssimo), Tzedek (Justiça) como também a Tzedaká, que significa Justiça Social.
Existem graus de elevação na forma de se fazer justiça social, baseado nas idéias do Rabino Moshé Ben Maimon, simplesmente Maiomônides ou também Rambam (הרמב"ם). Oferecer ajuda a quem lhe pede é a forma menos apreciada, pois da mesma forma que se deixou a pessoa numa condição onde ela está se humilhando por ajuda, quem ajuda pode estar querendo colher os louros disso, e esta é uma atitude da qual ninguém deve tentar tirar vantagem. É o tal fazer o bem sem olhar a quem. Um dos níveis mais elevados é a criação de institutos preparados para oferecer mais do que dinheiro ou comida, e sim condições para que no momento adequado a pessoa que está em dificuldade possa "caminhar com as próprias pernas". Isto tudo sem que niguém coloque sob sua cabeça os louros da justiça social.
Daí que se vê a origem de tantos projetos de ajuda social principalmente, mas também em outras áreas. Existem vários programas de ajuda de custo para judeus viajarem para Israel, como o Massa (significa jornada), para intercâmbio cultural, para reflorestamento, para ajuda humanitárias... Um dos mais famosos organismos é o KKL, hoje responsável por grande parte do florestamento de Israel, e apoiador de campanhas deste gênero no mundo.
Eu quis escrever a respeito quando li uma reportagem sobre o Ten Yad (traduzindo: "Dê a mão", no imperativo mesmo), uma instituição beneficente lotada em São Paulo, que ajuda pessoas em situação vulnerável a ter uma alimentação digna. E quando falo pessoas, incluo também judeus, afinal, a riqueza judaica, como tentei expressar aqui, está no espírito de ajudar a coletividade, e não em possuir dinheiro. Existe uma falsa ideia de que judeus não passem por necessidade. Mas com mais de 4 mil anos de história, e formando um grupo religioso de aproximadamente 17 milhões de pessoas pelo mundo, há que se reconhecer a vitória de quem resistiu a diversos impérios, como o Egípcio, Babilônico, Persa, Grego, Romano, Bizantino, Turco Otomano entre outros, e sempre sendo um grupo pequeno, porém muito unido.
Outro projeto muito bacana, reconhecido internacionalmente, é mantido pela minha sinagoga em São Paulo, a CIP, a maior e mais influente país. Inicialmente um local destinado aos filhos dos imigrantes recém chegados do horros da 2º Guerra Mundial, conforme a comunidade foi progredindo, o Lar das Crianças passou a destinar sua atenção as famílias carentes, oferencia acesso a estudo, alimentação e cultura geral (especialmente música e artes plásticas).
Portanto, muito do que Israel é hoje também se deve ao conceito de Tzedaká. Judeus de toda a diáspora mandam milhões em ajuda humanitária e apoio a projetos sociais, e daí que foi possível a este país receber, e continuar recendo, milhares de imigrantes todos os anos, ou até mesmo elaborar planos de fuga, como na Operação Moisés, para resgatar judeus etíopes em situação fome, ou oferecer o devido suporte aos mais de 800 mil judeus russos que sairam da União Soviética no momento da dissolução daquele país, no começo dos anos 90.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Faces do antissemitismo

Uma das tristezas com a qual eu tive que aprender a conviver mais a partir do momento que expus publicamente que estava de partida para Israel, é o crescente antissemitismo diretamente contra mim. Na ocasião, eu mostrei uma foto do meu passaporte e o visto de imigração recebido, e fui chamado de diversas coisas que não me recordo mais, pois eu não me dou mais ao trabalho de contra argumentar, simplesmente denuncio!
Um fato recorrente é se utilizar de termos como antissionismo para mascarar o antissemitismo. Antes de continuar, vou estabelecer os parâmetros de cada um.

  • Antissionismo é um movimento contrário as idéias do sionismo, que basicamente é o desejo dos judeus do mundo manterem uma terra segura num mundo pouco seguro para nossa fé. Há mais de 2 mil anos de histórias de perseguições, e no começo do século XX, Theodor Herzl, um judeu não religioso elaborou as bases deste movimento, hoje visto como racista, mas na verdade se trata de uma resposta a diversos ataques pessoais motivados pela crença religiosa, como exemplo, a escritura do livro "Os Protocólos dos Sábios do Sião", e com o ápice no holocausto. Portanto, o princípio do antissionismo é ser contrário aos judeus serem donos de um país só seu, onde possam deter autonomia de cuidade de sí próprios, sem ter que contar com a boa vontade, nem sempre existe, dos governantes de onde habitam. A desculpa, neste caso, é de possíveis crimes contra os palestinos e os vizinhos árabes.

  • Já o antissemitismo é um movimento de clara demonstração de intolerância e desrepeito religioso, onde se apropria de farsas e calúnias para sustentar a ideia de que certos maus, para não dizer todo o mal, é causado pelos judeus. E retorno aos "Protocolos dos Sábios do Sião" como exemplo deste antessemitismo, ao propagar e amplificar idéias a respeito dos judeus, como por exemplo, de que possuimos o controle das mídias, do sistema financeiro mundial, e por aí vai...

Um dos ataques recebidos via Instagram, por exemplo.
Eu continuo recebendo ataques e ameaças virtuais. A frequência é variada, mas sempre que as recebo, faço questão de denunciar, e não rebato mais. O mundo tem se tomado de ódio que não permitem se escutar e entender que para cada história, há diversos pontos a serem observados. Judeus não são os malvados que desalojaram palestinos, assim como o islã não é uma religião da guerra.
Eu fiquei particularmente comovido com uma notícia recente, envolvendo uma personalidade israelense muçulmado, de origem palestina, o Nas (Nusseir Yassin). Ele atualmente e trabalha para um canal de videos de interação no mundo, com 1 min de duração cada. Na ocasião, ele pretendia fazer um dos seus primeiros vídeos na Índia, porém ele foi impedido de embarcar num voo da Kwait Airways por ser israelense. Pouco importa se ele é judeu ou muçulmano, como Israel é um estado judaico, países que não reconhecem a existência de Israel, se recusam a aceitar seus cidadãos, mesmo que apenas para fazer uma conexão de vôo. É o peso de ser israelense, peso este que carrego desde que cheguei aqui, em Abril/2017. Aqui está o video que ele fez ao ser impedido de embarcar:

2 anos longe de muitos, mais perto de mim.

Já pararam para pensar que a vida de uma pessoa é como um livro, escrito em tempo real? Felizmente, ou não, jamais teremos acesso a totali...