terça-feira, 17 de outubro de 2017

Israel, um paraíso?


Algo que é relativamente fácil de se obter é a quantidade de imigrantes que chegam a Israel, talvez o único país no mundo que tem um Ministério de Imigração e Absorção.
Nos últimos anos, por exemplo, cresceu em muito a imigração de judeus brasileiros e franceses, enquanto a de russos e ucranianos, que nos últimos 27 anos lideram, está estável em número elevado. No caso brasileiro, entre janeiro e setembro de 2017, houveram mais imigrações (cerca de 900, da qual faço parte) do que em todo o ano de 2016 (cerca de 700), que foi cerca de 90% superior à 2015.
Mas algo que é muito difícil de medir é a quantidade de imigrantes novos que saem de Israel. Mas por que sair? Se salários são mais altos, se a segurança pública é muito boa, se há facilidade em se obter emprego, se é mais fácil seguir os preceitos religiosos judaicos, se estudar religiosidade judaica é muito mais fácil, se qualquer viagem daqui para vários locais interessantes do mundo levam no máximo 6 horas de vôo e custam menos...
Os motivos são variados e difíceis de se obter, porém, listo alguns deles que obtive com diversos amigos que voltaram, ou que conhecem quem voltou.

  • Dificuldade com a língua
O hebraico não é uma língua simples ou fácil de se aprender. Só o fato de não possuir vogais visíveis, e ter letras mudas, ter 5 letras usadas apenas como letras finais de palavras, e ter alteração da vocalização de acordo com o contexto causam certo frisson em quem teve más experiências aqui. Meus colegas sul americanos são exemplos claros, pois não conseguiam entender a língua ou mesmo pronunciar minimamente bem, e retornaram para as terras portenhas. E tenho outros exemplos de brasileiros que sentem tanta dificuldade, que não conseguem não transliterar, o que o pior dos erros para se aprender uma língua estrangeira, seja ela qual for.
  • Mercado de trabalho viciado
Segundo um amigo brasileiro que voltou há alguns anos, é dificil a adaptação pois grupos de imigrantes como russos e frances, que formam grupos grandes e unidos, e em muitos casos não fazem questão em aprender a lingua local, ou não com afinco, e causam certo vício trabalhista, pois em alguns casos, veem para cá e formam pólos de trabalhos e que fica fechado a quem não sabe a lingua deles.
  • Discriminação racial
Embora seja pequena, a discriminação existe. Quase inexistente com os negros, é mais comum com palestinos ou imigrantes ilegais sudaneses, e tem diminuído com o tempo, porém, segundo um amigo que veio para cá nos anos 80, ele não suportou ver como os palestinos eram tratados no ambiente de trabalho. Eu particulamente ainda não vi nenhum caso de racismo, mas sei que existe.
  • Saudade
Se colocamos no papel os prós e contras, com certeza ficariamos aqui, pois a economia é forte, os indices de segurança pública são fantásticos, a educação é de alto nível... Mas a vida humana não é um dado matemático onde basta se fazer contas. Quantos amigos não se deixou para trás? E familiares? E a compreenção na lingua materna? Clima...
Eu mesmo fico pesando muito no que deixei para trás. Minha família, meus amigos, meus bichos de estimação, meu namorado, todos tem um peso forte nessa sensação que eu sabia que ia vivenciar, mas não sabia como é a vivência. A experiência da solidão é algo que só sabe realmente quem vivenciou, ou como eu, vivencia.
  • Outros imigrantes
A adaptação com outros grupos de imigrantes não é fácil, pois cada um traz consigo sua bagagem cultural. Os hispânicos sempre muito passionais, os brasileiros bonzinhos até demais e nem sempre sinceros, os franceses muito reservados, os etíopes sempre gritando em qualquer horário, os russos sempre fazendo certa bagunça, especialmente nas aulas, os yemenitas são machistas e até batem em suas esposas...
  • Cultura
A cultura israelense é baseada na sinceridade, doa o que doer. Por um lado é muito bom isto, pois se alguém demonstrar interesse em tí, é sincero, e mesmo que seja com seu chefe, haverá bate boca, porém, em muitos casos é acompanhada de gritos, pois se algo sair do esperado, o israelense vai reclamar, não deixa passar barato. Também parece bom, mas pense que isto requer que fiquemos nos explicando varias vezes, sem dominar a língua.
Minha professora no Ulpan, por exemplo, avança pra cima dos alunos conforme eles não conseguem se explicar sobre algo; eu mesmo passei por isto algumas vezes, vendo ela elevar a voz comigo, no que eu rebati a altura e não deixei que ela continuasse com este comportamento, e hoje ela costuma a ser mais "mansa" comigo. Assim como quando trabalhei como garçom num hotel e meu chefe me pedia algo e logo em seguida dizia que eu não devia ter feito aquilo; sem medo, elevei a voz e falei pra ele decidir o que eu tinha que fazer. É uma linha tenue entre gritar ou falar alto, e ser mau educado. Brasileiros, em geral, consideram que falar alto e gritar é desrepeito, o israelense não.
Aqui não existe aquele jeito meigo (e por vezes irritante) do brasileiro que quer algo mas não sabe como pedir, daí chega e diz: "Sabe o que é... É o seguinte..." Ou seja, enrola tanto para dizer que quer algo simples, que em 10 segundos você teria atendido.
  • Melhores oportunidades
Muitos ucranianos utilizam o passaporte israelense para ter livre acesso a União Européia, enquanto o país não é um membro do bloco. Fazem isto por Israel tem acordo parecido com o que o Brasil tem no Mercosul, porém na América do Sul não exigem passaporte de turistas, enquanto na Europa só não exigido dos europeus. Eu, como israelense que agora sou, posso entrar na UE sem qualquer problema, basta apresentar meu passaporte. E como o Euro é uma moeda muito mais valorizada que o shekel, lá eles acabam conseguindo melhores condições de trabalho e de vida que aqui. Só para citar, a cada €1,00 temos ₪4,50.
  • Leis trabalhistas
Se tem algo que qualquer sul americano sente é o como se trabalha duro aqui. Muitos religiosos, cristãos em especial, acreditam que aqui é uma terra abençoada, cheia de milagres, terra que emana leite e mel e aquela coisa toda, mas a realidade é que é uma terra árida e foi na base de trabalho pesado que se chegou aonde chegou.
Há pontos difíceis de se adaptar, como ter apenas 30 minutos de refeição, evetuais denscansos durante o trabalho não são contabilizados como horário de trabalho, se trabalha uma média de 9 horas diárias, e as vezes até 12h. Em casos de licenças médicas, nem todos os dias afastados serão pagos, e alguns não serão pagos totalmente. O salário (normalmente) é por hora trabalhada, ou seja, se você se atrasar ou "ganhar" uma folga, não receberá por este período. São 12 dias de férias ao ano, um dia por mês trabalhado, as vezes não se tem as 10h de descanso entre um turno de trabalho e outro...

No caso específico de férias, em muitos casos, durante os feriados religiosos de Pessach e Sucot, que duram 7 dias cada, muitos israelenses aproveitam para viajar.
Eu ao meio, junto com meus colegas no Ulpan em Beer Sheva.
Eu pensei muito antes de escrever isto, pois comecei ver o quanto os meus colegas sentem dificuldade na adaptação. De todos que estão na foto, os argentinos e a russa retornaram, os belgas desistiram das aulas de hebraico, assim como o americano e o chileno, minha amiga brasileira reiniciou o curso. Portanto, de 24 alunos que começaram o curso intensivo de hebraico, apenas 11 terminarão!
Segundo uma amiga dos EUA, a estimativa de judeus americanos que retornam para os lá é de 60 a 70% dos que chegam. Isto ocorre num período de até 2 anos após sua imigração. Se bem que no caso dos americanos, há um agravante na lei daquele país, pois mesmo vivendo fora, enquanto mantiverem a cidadania americana, há impostos a serem pagos, e mesmo para uma eventual renuncia da cidadania, custa caro e demora para se obter. Ao menos no meu caso, que continuo com minha cidadania brasileira, eu não preciso pagar nada ao governo brasileiro, bastando apenas eu fazer minha declaração de saída definitiva, para evitar algum imposto sobre meus ganhos de capital fora do território brasileiro, embora eu ainda tenha minhas obrigações cívis, como votar (infelizmente ainda obrigatório no Brasil, mesmo estando no exterior).

* OBS: antes que eventualmente me perguntem... Não tenho pretensões de voltar ao Brasil tão cedo. Estou encarando as dificuldades aqui relatadas como desafios e não vim para desistir facilmente, como eu costumava a fazer.

Um comentário:

2 anos longe de muitos, mais perto de mim.

Já pararam para pensar que a vida de uma pessoa é como um livro, escrito em tempo real? Felizmente, ou não, jamais teremos acesso a totali...