quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A língua Hebraica

Sempre que se pretende fazer uma mudança de país, o idioma pode ser ao mesmo tempo encantador como um entrave.
Logo de cara, parto do princípio que se você for sem conhecimento algum, será um entrave de proporção inimaginável por um tempo incalculável, não importa a língua, mesmo que seja um intercâmbio, onde o objetivo é aprender a língua daquele país. Ter uma base é sempre necessário para facilitar sua evolução.
Aqui em Israel a língua é o hebraico, e tem o "complicante" do alfabeto ser diferente também, e lido da direita para a esquerda. Os judeus que já  viviam aqui usavam o árabe, e aqueles que vieram fugindo das perseguições na Rússia e leste Europeu no final do século XIX (antes de surgir o Sionismo) falavam a língua de seus países ou Yiddish, que se assemelha em muito ao alemão, porém escrito em alfabeto hebraico. O que ambos tinham em comum era o alto conhecimento em hebraico, embora limitado as rezas. Eliezer Ben Yehuda, linguista de origem bielorussa, foi o grande patrocinador do hebraico como língua corrente, o que não era fato há mais de 2 mil anos, pois a lingua corrente na antiga Israel da época da destruição do 2º Templo Sagrado de Jerusalém (do qual só restou o muro de Herodes, vulgo Muro das Lamentações) era o aramaico, também escrito no alfabeto hebraico.
Letra Alef, a 1ª do alfabeto, com texto da Torá, no Museu dos Judeus, em Tel Aviv
No caso da língua hebraica, para judeus que frequentaram escola judaica e se dedicaram aos estudos que lhe foram passados, terão uma adaptação mais tranquila, pois precisarão se acostumar ao sotaque, gírias e linguajar cotidiano. Aos que não se dedicaram, ou como eu, que não frequentaram escola judaica, se alfabetizar já é de grande ajuda, embora só isso seja insuficiente. Relato aqui que estudei não apenas na minha sinagoga, como também no antigo Centro da Cultura Judaica (hoje Unibes Cultural), porém era um curso com aula 1x por semana apenas, o que era decepcionante, mas após um ano e meio de curso, formou uma base e consegui tranquilamente me virar bem no início de jornada. Aliás, muito obrigado Morá (profª) Sonia Bachar.
Especialmente o brasileiro tem muito o espírito do "se virar"; provavelmente tem a mesma origem do "jeitinho". Mas Israel não é o Brasil! Por sorte o israeli, em geral, é um pouco paciente com relação a isso, pois a maioria dos cidadãos são imigrantes ou descentendes diretos deles, mas se a pessoa nem ao menos tenta, ele também não tem porque se esforçar por você. E nem pensem que com um bom inglês você terá sucesso. Para turismo, tudo bem, mas para viver, praticamente não adianta. Poucas são as vezes que eu consigo de fato falar inglês que não seja com minha amiga americana, que provavelmente está lendo este blog (hi dear!) :).
Isto me lembra de uma colega que além de não saber nada de hebraico, embora tenha trabalhado numa escola judaica ortodoxa, no máximo possui um inglês minímo e espanhol sofrível. Ela é fumante e como fez para pedir um cigarro? Isqueiro? Comida? Passou a 1ª semana se alimentando a base do que os outros faziam, incluindo meu arroz com brócolis e frango (ela é vegetariana), ou muito falafel na rua.
Ou com outro imigrante brasileiro, que quer contratar  um professor para "reforçar" o hebraico que ele não possui. No caso dele, é tanta dificuldade que ele gasta mais tempo transliterando (ato de transcrever de um alfabeto para outro) o que lhe é dito do que de fato estudando.
Teatro Nacional Habimá (algo como palco ou púlpito) Em Tel Aviv
Em média, um imigrante leva de 1 ano e meio a 3 anos para aprender a língua local, mesmo quando imerso nela, e ainda assim passível de erros, por mais bobos que sejam, ou ter o linguajar carregado do sotaque do país de origem, por vezes dificultando a compreenção.
O inglês servirá muito como um diferencial para a evolução profissional, independentemente da carreira que escolher. Eu fiquei muito mal impressionado como o israelense médio fala um inglês ruim. Ao menos em Beer Sheva. 
Embora seja difícil encontrar onde estudar hebraico, possibilidade há, como o e-teacher, que conheço alguns ótimos professores que trabalham para esta plataforma e alguns amigos que estão satisfeitos. Para quem mora em São Paulo e Rio de Janeiro, não é tão difícil entrar em contato com professores particulares; aconselho a buscar contatos em mercados judaicos nos bairros de Santa Cecília e Bom Retiro em São Paulo, ou Copacabana no Rio de Janeiro.
Curiosidade da Língua Hebraica:
  • Ela é baseada em raíz. É normalmente formada por 3 letras, eventualmente 4, e dela temos variações diversas entre verbos, substântivos, adjetivos e eventualmente advérbios. Uso como exemplo a palavra Shalom (שָׁלוֹם): é uma palavra multiuso. De Olá, Tchau, ao famoso Paz. Tem origem na palavra Shalem (שלם), que significa plenitude. Há o verbo Lishlom (לשלום), arcaico e quase nunca usado, que significa superar. Veja quantas boas vibrações numa palavra.
  • Em algumas situações, é possível juntar palavras e formar uma nova - como assim? Ao invés de escrever "meu pai", Aba Sheli (אַבָּא שֶׁלִי), é possível pegar a base da palavra pai e a base da preposição e ter uma única palavra, Avi (אֲבִי), mas no caso a letra B adota o som de V;
  • O Hebraico possui apenas 3 tempos verbais: Passado, Presente e Futuro. Nada como o Português que tem 3 tipos de tempo passado, 2 do tempo futuro, fora o presente do subjuntivo, indicativo...
  • Não há conjugação do Verbo Ser ou Estar (assim como no Inglês, são iguais) no tempo presente. Pela lógica da língua, quando o futuro chega, já vira passado. Portanto é como dizer "Eu Murilo" (אֲנִי מוּרילוֹ) ou "A loja aqui" (חֲנוּת פה). Há, entretanto, a possíbilidade de usar outro verbo, Nimtsa (נִמצָא), que é Estar localizado. Este verbo possui tempos passado e futuro, mas seu uso é equivalente a chamada norma culta, sendo muito raramente usado, substituído pelo verbo Ser ou Estar, Lihiot (לִהיוֹת).
  • A língua não possoui vogais. Os pontinhos (נְקוּדּוֹת) abaixo ou no meio das letras ajudam a compreender como se forma a vocalização durante a alfabetização, e só tem essa função, pois quase nunca se usa.
Encerro com um vídeo que me foi muito inspirador, gravado há muitos anos; é de uma pequena série feita pelo rabino Dudu Levinzon, onde ele entrevista um rapaz de nome Marcos, que mora em Morro de São Paulo/BA, e que com muito esforço próprio e ajuda de muitos turistas de Israel (é muito fácil escutar hebraico por lá, por ser um ponto turístico adorado por israelenses), consegue levar uma vida muito digna com um albergue e fala um hebraico de nível intermediário. Há anos Dudu trabalha numa casa voltada pela jovens judeus, chamada Espaço K, e tem uma atuação bastante discontraída a fim de manter os jovens interessados no judaísmo através da promoção de festas e viagens guiadas, e muitas subsidiadas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

2 anos longe de muitos, mais perto de mim.

Já pararam para pensar que a vida de uma pessoa é como um livro, escrito em tempo real? Felizmente, ou não, jamais teremos acesso a totali...