segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Ulpan

Ao chegar em Israel, o novo imigrante tem direito a estudar gratuitamente num Ulpan, nome dado para a Escola de Ensino Intensivo de Lígua Hebraica. Instituído após a fundação do Estado de Israel em 1948, os Ulpanim (plural de Ulpan) foram utilizados para alfabetizar e introduzir a sociedade os imigrantes que vinham para Israel no período do pós Guerra, onde muitos tinham medo (Europa) ou não podiam voltar para seus países de origem (Norte da África e países árabes). O nome advém da primeira letra do alfabeto hebraico, o Alef ("f" e "p" são escritos com a mesma letra), pois o nome do alfabeto em hebraico é alefbeit (2 primeiras letras). Apenas o nível Alef é gratuíto para o recém chegado. Os demais tem desconto de 70% por um dado período de tempo após a chegada.
O Ulpan continua com a mesma proposta, tendo até 6 níveis, mas normalmente sendo mais fáceis de encontrar apenas os 2 primeiros e sendo os 2 últimos praticamente só encontrados em universidades. Recebem o nome de acordo com a ordem alfabética (alef, beit, guimel, dalet, hei, vav), como se em português chamassemos de níveis A, B, C...
De todos os níveis, o mais importante, difícil e polêmico é o nível Alef. Nele estudamos desde a alfabetização, passando pelas bases dos tempos presente e passado nos diversos grupos verbais existentes, pronomes e preposições, numerais no masculino e feminino, além de expressões idiomáticas sem tradução direta, redação básica, em 5 meses de um curso diário de 5 horas por aula. No meu caso, foram ensinados 124 verbos, todos no tempo presente, passado e também o futuro, embora este último não faça parte do programa original. Pode até parecer fácil, mas o tempo presente possui simples 4 conjugações: masculino, feminino, plural e plural feminino. Já o pretérito tem uma conjugação para cada pronome (Eles e Elas se repetem). E o futuro tendo 7 conjugações, sendo iguais para alguns pronomes, e cheio de exceções.
A importância está por se tratar da base, da raíz, da estrutura da língua, tudo isso sem grandes explicações, que serão dadas apenas conforme for se elevando de nível. A dificuldade está tanto na didática, ou a falta dela, na falta de material de apoio fora o livro (que no meu caso foi muito pouco usado), como na falta de preparo prévio dos imigrantes que frequentam o curso. A polêmica fica por conta do tratamento diferenciado dado aos imigrantes russos, que as vezes tem "preferência", pois há professoras que sabem russo e dão explicação apenas na língua deles ou em hebraico, e o temperamento de muitas professoras, que são tipicamente israelenses, sem paciência e facilmente gritam.
Muitos vem com altas expectativas, esperando sair já no meio do curso falando minimamente, ou escrevendo minimamente, mas isto não ocorrerá se não vier com um estudo prévio. Daí que alguns largam o curso antes mesmo da metade.
Não dá para ter como base apenas uma ou outra opinião, mas nem por isto devem ser desprezadas. Yali Berlinski, brasileira do Rio de Janeiro, que escreveu este blog, teve uma impressão muito ruim, comparando o Ulpan a "triturador de lixo mental". Não vou tão baixo, de todo modo a minha experiência foi muito abaixo do esperado, tendo melhorado da metade para o final, porém com um começo bastante complicado. Primeiramente me disseram que eu seria avaliado na 1ª aula para me direcionarem para uma turma adequada, o que não ocorreu e ao longo do tempo era visível que eu sabia muito mais e compreendia melhor que os outros alunos. Não se trata apenas de eu ter vindo com conhecimento prévio para cá, ter um bom conhecimento de uma 2ª língua e bagagem cultural, mas outras razões como baixa escolaridade, alunos que pouco conhecem sua lingua nativa, e não tem conhecimento de outra.
Segundo amigos professores de língua estrangeira, a exposição diária em aulas deveria ser de no máximo 2 horas, e com maior interação entre os alunos, e não como normalmente ocorre, onde ficamos sentados o tempo todo sem exercitarmos a conversação, e apenas repetindo termos e escrevendo muito.
Foto: Nati Shohat - Times of Israel
Houve até uma aula em que minha profª me levou a um nível de estresse tão alto que eu praticamente gritei com ela, do mesmo modo que ela gritava comigo, como se aquilo que ela tentava ensinar fosse óbvio e eu um retardado ou  desleixado - ficou evidente que ela reconheceu o erro dela pois só voltou ao tema meses depois. Fora quantas vezes diversos alunos saiam da sala chorando, tristes e estressados com a tensão que a professora criou.
É por estas que eu insisto com amigos que falam em vir morar aqui para se prepararem e estudarem muito antes de virem. Não basta apenas reclamar, pois a situação não mudará tão cedo. É necessário se esforçar muito, e daí o motivo de eu recursar me misturar demais com outros brasileiros, em especial na colônia de Ra'anana, pois falar portugês é fácil para mim, em alto nível também, o difícil tem sido muito mais falar em hebraico do que compreender o hebraico. Há que se forçar em falar, mesmo que errado, pois normalmente os nativos são compreensivos e ajudam um pouco. O uso do inglês, por exemplo, facilita por vezes, mas cria um vício.
De qualquer forma, escuto muitos elogios de outros imigrantes brasileiros quanto ao Ulpan, em especial os que foram para onde inicialmente eu iria, Haifa, assim como alguns em Jerusalém.
E mesmo com as dificuldades iniciais, se alguém me perguntar se eu estou arrependido, digo que não, apenas teria escolhido um Ulpan diferente. Recomendo fortemente a todos a não abandonarem o curso, a não ser que tenham algum outro plano ou possibilidade de estudar noutro lugar, pois ficar em casa reclamando do governo ou das pessoas, sem fazer algo de efetivo por sí, não resolve nada.
Lendo a versão hebraica do Wikipédia a respeito dos Ulpanim, diz que um estudo do governo de Israel em 2007 mostrava que 60% dos adultos com 30 anos ou mais saem do curso sem saber ler, escrever ou falar minimamente, sendo que no caso dos imigrantes russos a situação piora para 70% - e no caso dos russos eu via isso, o quanto eles sofriam para entender expressões ou verbos simples, mantendo certos vícios da língua russa. Segundo a reportagem do jornal Haaretz, este problema tem acarretado em desemprego e isolamento, dificultando além do normal o processo de absorção.
A reportagem também trás a fala de "Meir Peretz, diretor da divisão de educação de adultos do Ministério da Educação (na época), apontou que Israel fornece apenas 500 horas de aulas hebraico, apesar de estudos internacionais mostrarem que uma média de 1.320 horas de aulas é necessária para aprender uma língua estrangeira". Portanto, já se passaram 10 anos desde que este estudo se tornou conhecido e não vi uma resposta a altura.
Como judeu bom é judeu que faz piada com a situação, aqui não deixam por menos. A questão de como os russos se portam e falam em público virou piada no seriado Ketzarim (Curtos Circuitos, tradução minha), onde uma secretária e o empregado russo falam apenas por palavras chave, verbos no infinitivo e conjugação errada. Traduzi o começo: "Então... Eu trabalha duro estar. Não há. Então. Eu procuro, não. Procuro, procuro, não. Lá, eu loja. Não aqui. Casa pequena. Três crianças. Onde?" (começo da fala do grisalho).

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