quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Fantasia ou liberdade?

Nesta data, em Israel e todo o mundo judaico, é celebrada Festa de Purim, que remonta ao tempo pós destruição do 1º Templo de Jerusalém, quando as tribos de Levi e Judá, as remanescentes (pois as demais tribos foram capturadas pelos assírios), foram levadas para a Babilônia (hoje Iraque), e depois esta fora conquistada pelos Persas (hoje Irã). Para maiores informações, vide o Livro de Ester (embora não seja a melhor fonte histórica, traz uma dimensão de sua importância). Ou também esta página sobre História Judaica (eu conheço o autor).
Eu poderia abordar o aspecto religioso, mas deixarei de lado (em parte), pois a intenção deste blog nunca foi uma abordagem religiosa do judaísmo - primeiro por eu não me considerar bastante capaz para isto, e segundo que a minha intenção é abordar as dificuldades da adaptação a Israel e sua realidade do cotidiano.
Desde de cedo, muita gente andando pelas ruas com fantasias das mais diversas, o que é tradição relativa a festa. Eventualmente chamada de Carnaval dos judeus, Purim é uma das festas mais alegres em Israel. No Brasil, assim como em diversas comunidades judaicas do mundo, as pessoas andam com as fantasias em mochilas e as usam apenas nas sinagogas, esperando pela leitura do livro de Ester. Em Israel, por ser o único país no mundo onde judeus são maioria, não há problema algum sair fantasiado. Na verdade, é condizente com o estilo pouco formal daqui.
Eu não tinha planejado nada, mas antes de ir trabalhar, todos os meus colegas compartilharam fotos de suas fantasias, e ao chegar com meu uniforme comum, me senti deslocado. Ao invés de me entristecer, resolvi entrar no ritmo e passei a usar a fantasia da foto - orelhas de coelho. Foi a primeira coisa que encontrei pela frente, e ainda assim teve um efeito muito forte em mim.
De repente, andar com uma fantasia, a princípio boba e infantil, me fez ganhar diversos elogios, despertar risadas e conversas das mais diversas. Passei a ver a história de Ester como sendo minha, de libertação pessoal. A história trata da libertação dos judeus (alias, primeira citação deste termo na Bíblia toda) frente ao chefe de governo persa que queria nossa destruição.
Passei a entender aquela fantasia simples com um significado muito maior do que iniciamente desenhada. Quantas vezes na vida não temos imagens em nossas mentes das situações mais estúpidas, mas engraçadas, e que não a fazemos? O aspecto sexual também pode ser aplicado, embora não seja o foco. Quantas vezes deixamos de fazer algo pelo que os outros vão pensar de nós, e consequentemente, nos retraímos?
No Brasil eu já vinha me libertando um pouco. Minha vinda para Israel, em muito, tem a ver com minha auto determinação. E agora, andar com estas orelhas de coelho fizeram eu trabalhar com mais alegria, energia e determinação, mesmo num dia em que vários de meus colegas faltaram e eu tive que cubrir os seus setores.
Portanto, assim como na história de Ester, me vi livre de muitas amarras. E o mais curioso é que aqui eu tenho levado uma vida muito menos religiosa do que ue levava no Brasil. Tenho frequentado muito pouco as sinagogas e feito poucas leituras de textos diversos, e ainda assim, me vejo imerso num mundo diferente do que eu esperava. É o judaísmo menos pragmático e mais vivido em sua essência.
Isto me faz lembrar da música das "As Frenéticas", onde num refrão elas cantam:
"A gente as vezes sente, sofre, dança, sem querer dançar.
Na nossa festa vale tudo. Vale ser alguém como eu, como você"

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Questões linguísticas

Foi divulgado pelo governo de Israel uma tabela com dados das línguas mãe mais faladas por aqui, para pessoas com 20 anos ou mais.
É interessante notar que o hebraico, embora seja a lingua majoritária, ainda não é a língua mais da maioria absoluta da população daqui. Assim como o russo, embora não seja uma das línguas oficiais de Israel (são hebraico e árabe), esteja próximo do árabe.
Por outro lado, mostra o quando o inglês, tão comumente usado como língua franca no mundo, e com todos os acordos e apoios vindo dos EUA a Israel, representa apenas 2% da população. Não consegui encontrar ainda qual a porcentagem da língua portuguesa, mas definitivamente representa menos de 1%.
O mais interessante é que mostra porque quando se vai a postos de saúde, por exemplo, se encontra informações em Hebraico, Árabe e Russo, e nada em inglês. E reforça a minha recomendação de estudo prévio da língua hebraica antes de imigrar para este país, pois fora questões turísticas, pouco se ouvirá numa língua minimamente conhecida aos brasileiros (cito espanhol e inglês, embora a grande maioria pensa que sabe e de fato apenas dobra a língua).
Esta divulgação também não mostra a quantidade de pessoas que tem uma segunda lingua, como eu disse, os árabes e beduínos usam o árabe como primeira lingua e o hebraico como segunda (os beduínos tem maior dificuldade com o hebraico do que os árabes, que falam muito bem). Escrevo isto pois eu lembro certa vez, num mercado, um funcionário, fluente no hebraico, começou a explicar algo em russo para uma cliente. Atualmente uma das minhas gerentes e filha de russos, mas pelas conversas que escuto dela, o hebraico é a primeira lingua dela e o russo ela tem maior compreenção do que capacidade de fala, pois mistura muitos termos em hebraico com o russo.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Dimensões de Israel

Noto cada vez mais o quanto Israel é incompreendida sob diversos pontos de vista, e resolvi esclarecer algumas questões da Geografia deste país.
O fato de ser um país pequeno, "engana" sob diversos aspectos. No quesito área, Israel possui 22.072 Km², o que é um pouco maior que o menor estado brasileiro, Sergipe. Porém, Sergipe possui uma distribuição geográfica mais quadrangular, enquanto Israel é bastante estreita na sua região central (chegando a ter apenas 12 km (em linha reta) entre o litoral de Hertzlia e a fronteira com a Palestina), e tendo uma distância relativamente grande do ponto mais ao norte ao sul.
O fato de ser estreita é o que faz o país parece maior do que é, pois na minha primeira viagem, de Beer Sheva a Eilat, eu levei 3 horas de viagem de ônibus, considerando a única parada de 20 min. Para exemplificar, uma rota de Norte a Sul, entre o Resort do Monte Hermon e Eilat, tem 548km de distância, feita, em aproximadamente 7h, sem considerar possíveis congestionamentos. Uma distância um pouco maior do que entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Eu encontrei este mapa que exemplifica bem o tamanho do país, se comparado com a maior cidade brasileira, São Paulo. Como eu costumo dizer, Tel Aviv é do tamanho de alguns bairros de São Paulo, como Jardins e parte da Bela Vista, com uma população menor que estes bairros, isoladamente.
Estes e outros dados eu deixei no quadro abaixo. Notem que em alguns casos, eu comparei Israel a um estado ou cidade brasileira:
O aeroporto Ben Gurion embora menor em número de passageiros e área ocupada, é atendida por 48 Cias Aéreas, enquanto o aeroporto de São Paulo é atendida por 35. A grande diferença está nos vôos nacionais, pois desde TLV há vôos apenas para Eilat, e que Tel Aviv possui 2 aeroportos, sendo o segundo localizado próximo ao Parque Yarkon, e um pouco maior que o aeroporto Campo de Marte em São Paulo (usado apenas para táxi aéreo), e que faz vôos para Eilat e alguns poucos destinos internacionais.
Note que a maior distância entre cidades de Israel cabe dentro do estado de São Paulo, ou seja, nem é preciso comparar com a maior distância entre cidades do Brasil, pois seria igual comparar um país pequeno com um continente inteiro.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Bye bye Putin?

Chama a atenção a quantidade de imigrantes vindos de países da extinta URSS, especialmente Rússia e Ucrânia, aqui em Israel. Desde a queda daquele país e sua abertura política e econômica no início dos anos 90, milhões de russos vieram para Israel em busca de um país melhor para viverem, pois ali estavam privados de demonstrações públicas de religiosidade, além de todas as falhas que o regime soviético causou na vida de muitos. Onde quer que se vá neste país, se escuta russo. No meu caso, ao menos uma vez por dia, praticamente todos os dias.
Olhando para os dados divulgados pelo Banco Mundial realmente é impressionante a melhoria em diversos índices econômicos de Israel, especialmente desde 1960.
Minha amiga americana, de origem parcialmente ucraniana, muitas vezes me disse que muitos dos ucranianos, em especial, vinham para cá para depois abandonarem Israel e entrarem em paises da União Européia, pois os acordos diplomáticos com Israel são mais avançados do que com os países soviétivos, e terem uma vida mais tranquila. E os ucranianos, em geral, tem maior conhecimento de línguas estrangeiras que os russos.
Era uma história que, de certa forma, me custava a acreditar. Até que recentemente eu encontrei uma reportagem compartilhada por outros imigrantes, elaborada pelo jornal Haaretz, que fala exatamente isto, embora trate apenas dos russos e não dos ucranianos.
A reportagem traz a constatação de que muitos judeus que fizeram a chamada "Aliá do Putin" (Imigração do Putin), que foram realizadas após os anos 2000, especialmente após 2010, estão retornando para a Rússia ou indo para outros países, como Alemanha.
Os russos que vieram para cá antes da instituição do movimento Sionista de Hertzel, que deu início as negociações para a Partilha da Palestina em 1947, ou aqueles que receberam autorização especial (de saída) do Kremilin no anos 80, e os que sairam após a queda da União Soviética, vivenciaram um país numa situação socioeconômica muito deteriorada, e encontraram um país com condições de melhorias, embora ainda não fosse a potência econômica que é hoje. Porém, após os governos Yeltsin e Putin, a Rússia teve um crescimento social muito forte e reformas em estruturas decadentes herdadas do período soviético, embora ainda seja um país com diversos gargalos neste quesito, com inflação alta e baixo poder econômico para a maioria da população. Os imigrantes que vieram após a abertura econômica e após o período Yeltsin, portanto, vivenciaram melhores condições na Rússia e tinha expectativas mais altas que os das gerações anteriores.
Depois de ter lido alguma das reclamações na reportagem, considerei muitas delas válidas, porém exageradas em certos casos.
Há que se considerar outro fato, que para fins de imigração para Israel, basta ter um laço parental de até 2º grau, ou seja, seu avô ou avó ser judeu, mesmo que você não seja, terá total direito a imigrar e gozar dos benefícios concedidos. Porém para a Lei judaica (Halachá), é necessário ser filho de mãe judia, ou ter passado por uma conversão, porém em Israel, quem tem força política e religiosa é apenas a ortodoxia, e apenas as conversões realizadas aqui (em instituições ligadas a Rabanut Central) são reconhecidas, o que para muitos imigrantes russos tem gerado problemas de serem reconhecidos como judeus, desde não poderem ser enterrados em cemitérios judaicos, como serem discriminados em empregos onde é necessário ser judeu, como no manuseio de alimentos (para obtenção do atestado de Cashrut, ou seja, de que o alimento foi preparado sob a lei judaica), mas tem se extendido até para serviços como de garçons, que não requerem isto.
Ainda assim, as imigrações vindas da Rússia, em particular, ainda representa cerca de 20% dos imigrantes que chegam todos os anos a Israel.
De todo modo, fiz questão de compartilhar estas reportagens e esta realidade para alertar aos que tem intenções de imigrar para algum país, incluindo Israel, para que se preparem para um plano B, pois sempre é possível se decepcionar com o que encontram, e se trata de um aspecto pessoal. Em qualquer país para o qual se vá sempre se encontrará coisas boas e ruins, porém é necessário ter um grau de tolerância, pois a imigração sempre lhe tirará da sua zona de conforto, e até poder se sentir integrado, leva tempo, e ficar culpando o país para onde se foi não resolverá a questão, pois quem pagará o preço financeiro e psicológico da decepção será você, e não os que ficam, e aquele "instinto" de xingar via redes sociais, por exemplo, em nada ajuda - apenas criará um sentimento de inimizade nada construtivo com a população do país que se deixou.
Obs: O mapa inicial foi desenvolvido pelo jornal Haaretz, e eu apenas traduzi. Notem que eles chamam de Ex União Soviética, porém só consta pintada a Rússia.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Um imigrante ilegal - uma linda história

 .(וַאֲהַבְתֶּ֖ם אֶת־הַגֵּ֑ר כִּֽי־גֵרִ֥ים הֱיִיתֶ֖ם בְּאֶ֥רֶץ מִצְרָֽיִם* (דברים י'ט
No meu trabalho aqui em Israel, tive uma chance única de conhecer um ex imigrante ilegal. Digo ex, pois é uma rara exceção dos que conseguiram legalizar sua situação em Israel.
Vou omitir seu nome e foto, porém resolvi expor um pouco do que ele compartilhou comigo a respeito da sua vinda para cá.
Ele é nascido na Eritréia, país que se separou da Etiópia, na África oriental, e chegou a lutar na guerra da independência de seu país, durante o início dos anos 90. Porém, como muitos do seu país de origem, sofreu demais com a fome e completa falta de perspectiva.
Ele é professor, e vendo a fome de perto, fez como muitos, e tentou a vida noutro país. Chegou a Israel, tendo pago a atravessadores para leva lo ao Egito, na região asiática, no litoral do Mar de Aqba, para dali seguir viagem com outros, a pé, e tentar atravessar a fronteira de Israel. Muitos são pegos pelo exército Egípcio e são mortos, o que felizmente nao foi o caso. Depois de 2 meses, conseguiu chegar a Beer Sheva, e tinha apenas 100 shekels nos bolso para passar o mês (Meu almoço de hoje me custou 50!)
Ele recebeu ajuda de etíopes aqui legalmente imigrados, pois falam a mesma língua, e viveu ilegalmente em Israel por cerca de 5 anos, quando após muitos anos de luta, conseguiu receber status de refugiado e hoje tem praticamente todos os direitos que qualquer cidadão comum possui. Já são 6 anos desde a legalização da situação dele.
Quando ele me contou esta história, num inglês bastante carregado e fraco, eu me contive para não chorar, assim como faço enquanto encerro esta publicação.
Hoje ele tem um salário médio de 6 mil shekels, trabalhando em média 44h/semana, e parte dos seus ganhos ele envia para a família que ficou.
É uma história bonita, no meio da perversidade do governo de Netanyahu em querer oferecer uma ajuda financeira e mandar os imigrantes ilegais para Ruanda, sem garantias de condições humanas, ou irem presos indefinidamente. Sobre isto comentarei em breve.

*Tradução: E amarás ao estrangeiro pois estrangeiros vocês foram na terra do Egito (Deuteronômio 10:19).

2 anos longe de muitos, mais perto de mim.

Já pararam para pensar que a vida de uma pessoa é como um livro, escrito em tempo real? Felizmente, ou não, jamais teremos acesso a totali...