Quase o mundo todo tem uma percepção de que judeus são brancos, muitas vezes loiros ou ruivos, vindos da Europa, especialmente Alemanha, Polônia e Rússia, mas a realidade é que há muitos que são morenos, mulatos, indianos e negros, como eu escrevi aqui. Judeus do Brasil vieram de diversos países além da Europa, como Turquia, Líbano, Síria, Iraque, Irã e Marrocos, só para citar alguns países fora do conhecimento padrão. No caso específico dos negros, a maioria absoluta vem da Etíopia, embora exista outras pequenas comunidades na África, como Uganda.
O caso dos judeus etíopes deve ser motivo de estudo por historiadores, antropólogos e sociólogos, para dizer o mínimo, pois a vinda deste grupo para Israel é uma prova da necessidade da existência de um país como este.Vou me concentrar na história recente, na Operação Moisés (מִבְצָע מֹשֶׁה), que foi uma operação de resgate de judeus etíopes que viviam em situação de extrema miséria em condições tribais. Com o apoio do governo do Sudão, país a princípio inimigo (assim como muitos de maioria muçulmana), uma frota de aviões pousou naquele país para que militares invadissem secretamente a Etiópia e resgatassem milhares de judeus etíopes para serem levados a Israel.
Iniciada em 21 de novembro de 1984, a Operação envolveria o transporte de 8 mil judeus etíopes de campos de campos de refugiados no Sudão diretamente para Israel, foi encerrada em janeiro de 1985. Milhares haviam fugido a pé da Etiópia para o Sudão. Segundo estimativas, cerca de 4000 pessoas morreram durante a travessia, que em geral era feita a noite e tiveram que lidar com a situação da fome.
A Operação Moisés foi encerrada no dia 5 de janeiro de 1985, depois que Shimon Peres (1º Ministro), durante uma conferência de imprensa, confirmou o teor da Operação, pois já haviam suspeitas da imprensa a este respeito. Foi, na minha opinião, um erro estratégico, pois o Sudão encerrou a cooperação logo após o discurso de Peres, uma vez que o governo sudanês sofreu muita pressão negativa vinda de países da Liga Árabe.
Yityish "Titi" Aynaw, Miss Israel de 2013 |
Problemas de Adaptação
Embora seja extremamente louvável os esforços do governo israelense da época, e também o do Sudão pela permissão dada, até hoje há um problema interno muito difícil de lidar, que é a inserção e absorção destes imigrantes. Como eu escrevi acima, a maioria vivia em condições tribais, não conhecendo questões mínimas de uma vida numa sociedade ocidental, como morar numa casa, acender um fósforo, como segurar uma caneta, ler e escrever.
Com isto, até os dias atuais, os mais velhos, aqueles que vieram na Operação Moisés, tem dificuldade de lidar com a vida em Israel, não conseguindo trabalho ou quando conseguem, em cargos sempre menos elevados, tendo portanto, salários mais baixos. Tanto que alguns acabaram saindo de Israel e indo morar em outros países, incluíndo os EUA.
Protesto em Tel Aviv, em 2015. Foto: Tomer Neuberg/Flash90 |
Os filhos desta geração e aqueles que vieram posteriormente tem uma condição de vida mais dentro da normalidade (dentro dos padrões ocidentais de normalidade de uma vida em sociedade), assumindo diversos cargos, inclusive dentro do governo, servindo ao exército, estudando nas Faculdades e Universidades do país, portanto, mais preparados para evoluirem na vida sócio econômica. É o caso da primeira negra eleita Miss Israel, Titi Aynaw (foto acima, com a badeira), nascida na Etiópia. Lembro bem de uma etíope em Tel Aviv, linda com uma roupa que misturava um pouco da cultura daquele país, e com um belo coque. Pena que eu não consegui fotografa la. Deslumbrante!
Por conta desta dificuldade ainda enfrentada, muitos acusam ao governo de racismo. Eu, que sou extremamente crítico às políticas belicistas de Benjamin Netaniahu, devo reconhecer que da parte do governo isto não existe. O que existe é de uma minoria da população, especialmente de outros imigrantes, como russos, um comportamento racista.
Da parte dos empresários, como eles podem contratar pessoas que tem dificuldades básicas, como acordar cedo de acordo com um horário? Pois na Etiópia eles não usavam relógios, portanto começam o seu dia quando acordam, seja o horário que for. Se bem que de acordo com esta reportagem, há parte dos empresário que fazem escolhas de funcionários pela cor da pele. Particularmente eu ainda não presenciei nenhum caso, mas tenho conhecimento de dois específicos:
- Uma passageira, num onibus em Beer Sheva, gravou em vídeo os insultos racistas que ela proferia a uma etíope, dizendo que ela deveria tomar banho e limpar o chão por onde passava. A imbecilidade foi tão sem tamanho que ela mesma publicou no Facebook.
- O outro caso eu não conheci os detalhes, mas ocorreu numa publicação num grupo de ajuda mútua de judeus brasileiros, de onde está nascendo uma ONG voltada para brasileiros, onde a administradora, Gladis Berezowsky, muito atuante, apagou a publicação, expulsou a pessoa do grupo e ainda ressaltou que não há tolerância para este comportamento.
Portanto, não é por não ter presenciado que eu seja inocente em não reconhecer que isto exista por aqui. A questão é que aqui é bem menor e quando ocorre é mais descarada do que no Brasil, que tem inclusive um vereador negro e racista, e uma boa parte da população brasileira não admita que o racismo existe. A grande questão é que, apesar das dificuldades que muitos enfrentam no seu cotidiano aqui em Israel, do qual fiz questão de relatar, é fácil ver os descendentes de etiopes sendo tratados como devem, em pé de igualdade e obtendo relativo sucesso, nada além do que qualquer pessoa, independente de origem ou cor de pele mereça.
OBS: Eu ia deixar esta publicação para o celebrar o Dia da Consciência Negra no Brasil, dia 20 de novembro, mas dada a gravidade da notícia de que o jornalista William Waack proferiu insultos racistas antes de entrar ao vivo na TV e que foi afastado da apresentação do Jornal da Globo (maior rede de TV da América Latina), achei por bem adiantar um pouco desta história interessante e tocante.
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