quarta-feira, 2 de maio de 2018

Bobagens e absurdos feitos e ouvidos

Viver no exterior é dar a cara a tapa; é necessário estar disposto a errar para aprender. É impossível aprender apenas acertando. O Paraíso na Terra que muitos buscam não existe, especialmente quando lançamos altas expectativas. Por maior que seja o preparo, sempre cometeremos erros, e também ouviremos absurdos e bobagens.
Passar vergonha no exterior é quase um rito de passagem. Vejo com bons olhos.
De qualquer forma, existe um desconhecimento muito forte da vida e suas necessidades fora das fronteiras brasileiras.
Uma das primeiras bobagens que eu escutei, ainda no Brasil, era:

Você poderá ensinar Língua Portuguesa!
Não, não posso! O fato de ser falante nativo, e modestia a parte, muito bom nos conhecimentos gramaticais, não me faz uma pessoa hábil para lecionar língua alguma (só pra reforçar que também não ensino Hebraico). Não basta saber a língua, é necessário saber ensinar, e isto demanda preparo (que eu não possuo) que uma Faculdade Letras poderia ter me trazido, se fosse do meu interesse. Existe no Brasil a percepção de que para ensinar, basta saber; isto para não falar do absurdo "quem sabe, faz, quem não sabe, ensina", o que demonstra a falta de atenção que temos com a educação e nosso subdesenvolvimento socioeconômico.
Primeiramente, fora do Brasil, muito pouca gente quer aprender Língua Portuguesa, pois em geral, o fazem por razões práticas e pragmáticas, como viagem e comércio. Tirando Brasil e Portugal, poucos são os que sabem quais outros paises se fala português - e muito brasileiro estudado também não sabe.
Por favor, manifeste se aquele que aprendeu finlandês por razões unicamente culturais (embora eu conheça quem estude sueco livremente). Se não for esta, qualquer outra língua que pode ser considerada exótica ou restrita.
Por mais importante que a língua seja, aqui é mais fácil encontrar interesse em cursos de russo, alemão, francês, inglês e espanhol. Se bem que por isto mesmo eu me surpreendo quando encontro algum falante de português por estes lados.
Venda coxinhas! (uma espécie de nugget de frango)
Esta delícia da culinária brasileira, hoje ainda mais valorizada que antes, é a expressão forte da cultura informal que é a brasileira. Pobre em ingredientes, mas rica em sabor, a coxinha é muito boa e gostosa, mas isto não implica que fora do Brasil fará sucesso. Em geral, sua massa é feita com caldo de frango, leite e farinha de trigo, e no caso de Israel, deve ser adaptada pois uma das premissas da alimentação Casher é não misturar laticínios com carne e derivados, e isto inclui frango.
Da mesma forma que falafel é uma delícia e poucos lugares no Brasil o vendem, coxinha teria o mesmo destino, senão pior. Ou seja, até existe mercado, mas seria um nicho. As pessoas aqui são orgulhosas da alimentação que tem (rica em verduras e leguminosas) e estão satisfeitas com o que tem. É necessário conhecer o mercado para saber de uma possível aceitação e provavelmente adapta lo.
Venda Pão de Queijo!
O mesmo que comentei sobre a Coxinha, é uma expressão alimentar brasileira, e aqui em Israel, é até difícil encontrar os ingredientes para a massa. É uma alternativa interessante para quem não pode ingerir glutén e também para o Pessach, pois não leva farinha de trigo ou qualquer outro ingrediente fermentável proibido durante a festividade (era a minha alternativa ao pão, no Brasil). Ainda assim, o mercado para o pão de queijo ficaria restrito para brasileiros aqui, ou seja, nicho de mercado, mercado restrito.
Para ampliar mercado, é necessário conhecer o gosto local e se adaptar a ele, e provavelmente perderia parte da sua identidade, pois aqui se come muito pimentão, cebola, tomates e pepino, e achariam estranha a massa ligeiramente adocicada e borrachuda de um pão de queijo. Para meus leitores do exterior, um bom pão de queijão é crocante por fora também e deve ser comido fresco e quente.
Claro que nestas apostas, o Açaí tem feito sucesso, mas está aos poucos saindo do nicho de mercado. Da minha parte, continuará lá. Não gosto de açai, ou ao menos da forma como se vende em São Paulo (dizem que no Pará o sabor e aparência são completamente diferentes).

Das bobagens que eu fiz, posso citar algumas:
  • Comprei um protetor solar em spray, com cheiro de uva. Eu sabia que era para criança, mas só depois de compra-lo, eu senti aquele cheiro enjoativo. Sem contar que spray é uma merda, pois metade se espalha no chão ou em portas e paredes;
  • Comprei extrato de tomate no lugar de molho de tomate. Eu pretendia preparar uma Shakshuka, um prato tipicamente israeli, mas não sabia ler direito o rótulo.
  • Comprei um condicionador de cabelos e pensei que fosse hidratante. Em minha defesa, estava no lugar dos hidratantes. A consistência na pele era estranha, mas serviu ao propósito inicial! ;)
  • Comprei um sabão líquido com hidratante pensando ser hidratante apenas. O tempo aqui é muito seco, e usar hidrantante é fundamental, mas comprei um sabonete muito bom com hidratante, e não apenas um hidratante. Também serviu ao seu propósito.
  • Queria comprar carne, mas não entendi onde tinha, e não sabia como pedir no começo. Acabei comprando linguiças, porém eram extremamente picantes. Eu já comi pimenta jalapenho e não senti que fosse tão picante quanto esta linguiça. 1kg de linguiça desperdiçados.
  • Pegar o ônibus certo, no sentido errado. O Google Maps e outros aplicativos me levam ao erro. Hoje bem menos, mas quando menos espero, acontece!
  • Pegar ônibus errado e parar noutra cidade. Esta foi emocionante, pois o shabat se aproximava, e eu já estava cerca de 20km longe de casa, e se não pegasse o ônibus de volta, só voltaria a pé no calor do verão daqui. Consegui voltar em paz!
  • Sair de um supermercado, com frango congelado na sacola, e acabar no meio de um protesto de veganos contra o consumo de carne. Sorte que não viram nada, pois a sacola era preta.
  • Dar um beijo na pessoa errada. Eu avistei um amigo por trás, e lhe dei um abraço por trás e um beijo na bochecha, daí quando ele virou vi que não era quem eu pensava. Sinto vergonha até hoje!
  • Já andei no bondinho de Jerusalém sem pagar. Achei que eu tinha crédito no cartão de onibus, e fiquei tranquilo. Levou dias para eu saber o que aconteceu. Em compensação, noutra oportunidade acabei pagando duas vezes pela viagem. Ambos os casos foram sem querer. Ao menos estou com a consciência tranquila.
  • Recebi uma cantada do segurança da estação de ônibus. Ele chegou a pegar na minha mão, depois de fiscalizar minha mochila. Basicamente disse que posaria nu pra mim, depois que viu meu equipamento (fotográfico).
  • Pedir café e receber café com leite, capuccino, machiato, latte... Levei cerca de 3 meses até saber como pedir um simples café, puro, expresso, sem leite, pois aqui café preto é o Café Turco, preparado com o pó do café no copo. Se bem que até passei a gostar (de café com leite), ao menos da forma que é servido aqui, mas eu sou brasileiro e quero beber café expresso! Só pra constar, até hoje quando peço um café, me oferecem leite, e quando digo que não quero, me olham com cara de maluco. Posso ser maluco, mas sou feliz e bebo café expresso puro!

Um comentário:

  1. Suas crônicas são excelentes. Adoro a forma leve e direta com que escreve. Parabéns.

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